sexta-feira, 18 de maio de 2012

Análise da palestra de Flávio Loureiro Chaves, por Luís Borges


FLÁVIO LOUREIRO CHAVES – resumo da palestra “Simões Lopes Neto: quando a literatura escreve a história”

“Simões Lopes Neto não foi um
grande escritor  por ser regionalista,
 mas apesar de o ser.”
(Flávio Loureiro Chaves)

Por Luís Borges[1]

Em 12 de abril, na sequência das atividades comemorativas do centenário dos “Contos Gauchescos”, recebeu o Instituto João Simões Lopes Neto, em Pelotas, a visita de um dos mais destacados intelectuais brasileiros, de renome internacional, para realizar uma palestra sobre o conto “O anjo da vitória”. Depois das apresentações feitas pelo presidente do Instituto, Dr. Mazza Leite, e pelo prof. João Ourique, Flávio Loureiro chaves iniciou sua fala dizendo que “certamente, havia passado um anjo da guarda por aqui, pois há 30 anos ninguém sabia, fora do RS, quem era Simões Lopes Neto e hoje está cotado para dar nome a um aeroporto”. Feitas outras considerações iniciais, passou a definir dois tipos de regionalismo: o “localista” e o “universalista”. O primeiro é reducionista, se utiliza do registro linguístico de uma dada região e de sua paisagem para encarcerar a “visão de mundo”, os sentimentos e a experiência humana. O último, ao contrário, usa uma dimensão espaço-temporal e linguística própria de uma região para ampliar a compreensão do drama existencial do homem. Por isso “Simões Lopes Neto não foi um grande escritor por ser regionalista, mas apesar de o ser”.
Ressaltou, referindo-se à recepção crítica da obra simoniana até os anos de 1920, que era impensável enxergar no artesanato da linguagem de Simões Lopes Neto sua inovação. Deu-o na conta de, exemplificando o final do conto “O anjo da vitória”, precursor da literatura do realismo mágico na América Latina. Recordou que nos idos de 1980 quando defendeu seu doutoramento na USP, praticamente ninguém apostava que o escritor pelotense pudesse se transformar num autor canônico. Ali recebeu apoio somente de José Aderaldo Castelo e Antônio Cândido. Para ele, Simões não é apenas um autor atualmente reconhecido, mas um clássico. Clássico é o autor cuja obra ao longo de gerações resiste aos novos contextos de leitura e às novas teorias literárias. Aliás, o prof. Flávio Loureiro Chaves criticou certas práticas usuais nas Faculdades de Letras, em que o ensino da Teoria Literária esteriliza o prazer do texto e se impõe de modo artificial – primeiro se deve conhecer o texto e depois entender como a Teoria da Literatura auxilia sua compreensão e não, o que prejudica a formação de leitores, se utilizar o texto como pretexto para ensinar a teoria.
Outro ponto fez questão de ressaltar: “eu não discuto autoria”. Deu como exemplo de tal debate o seguinte: “discutir autoria é tentar entender o que o autor estava pensando quando escreveu”. Em seguida passou a expor de maneira breve sua original interpretação do conto “O anjo da vitória”, demonstrando vivamente o que significa em Simões Lopes Neto o “regionalismo universalista”. Afirma, sem se deter nesse ponto, que o autor abre o conto de forma semelhante a um dos romances de Sthendal [2]. Posteriormente, passa a enfatizar que o conto é a crônica da batalha do Passo do Rosário, ocorrida em 1827. Assim, ao contrário da tradição épico-guerreira que se instalou na cultura do RS, Simões aborda a narrativa de uma derrota ou, pelo menos, de uma duvidosa vitória. Sob o título há um despiste: o general José de Abreu, “o anjo da vitória”, quase não aparece. O verdadeiro protagonista é o menino-narrador, então com 10 anos, que acompanhava o padrinho na guerra. Ele também está presente na evocação do velho Blau Nunes. Como se caracteriza o menino-narrador-protagonista? por meio de seis ocorrências referentes a uma peça do vestuário – o bichará. O bichará é um signo; é uma “metáfora expansiva”, tal como o conceito foi concebido por Welleeck & Warren, em sua célebre obra “Teoria da Literatura”. O bichará se apresenta, num primeiro momento, como um signo fechado (termo que designa uma peça de vestuário característica da região). Depois aparece como metáfora da própria região, do personagem, da luta, da história e do narrador, até se transformar num signo aberto [3], isto é, de uma visão fechada e restrita de mundo passa à “imagem expansiva”, refletindo a condição universal do homem: ser contraditório e solitário, abandonado no mundo e responsável por suas escolhas. A narrativa funde história e memória, mistura a crônica da história da formação da província sulina (a região) e a biografia de Blau Nunes (metáfora universalista da condição humana).
Em dado momento, Flávio Loureiro Chaves faz um parêntese para explicar, retomando sua afirmação anterior – “eu não discuto autoria” – que o que lhe interessa é o texto. Assim, para ele, o autor que escreveu “manuais de civismo ou cartilhas”, o que fez discursos em prol do civismo ou que escreveu história de uma perspectiva epopéica não lhe interessa e está em franca contradição com o alto literato. “O Simões Lopes Neto que resistiu ao tempo foi aquele que se impôs como uma vitória da linguagem”, asseverou o palestrante.     
 Ana Cláudia Dias, jornalista do Diário Popular, a quem o prof. Flávio Loureiro Chaves concedeu uma entrevista, registra a declaração de que, na contramão de sua faceta cívico-pedagógica, “o ficcionista convida a pensar a história do Rio Grande do Sul de uma maneira diferente, ‘o outro lado do espelho’, de forma quase subversiva”. E segue: “Atrás dos heróis e da epopeia guasca parece que existe outra história e seria na revelação dessa história que Simões estava interessado. Na melancolia de ‘O anjo da vitória’ o escritor contradiz em tudo a crônica épica.”
Passa Loureiro Chaves, então, a expor a concepção de história contida no conto em apreciação. Para ele, é uma concepção dialética da história, uma visão da história que se desenvolve a partir de uma seqüência de contrastes, quais sejam: fechado/aberto; presente/passado; menino/velho; valentia/desastre; herói/fujão; real/fantástico [4].
Concluiu sua brilhante conferência mostrando que o verdadeiro “anjo da vitória” não era o general José de Abreu que, no conto, toma feições surrealistas, mas o menino só e abandonado no campo de mortos [5], no seio da “tormenta da valentia” que, sem sair da vida, permaneceu na história: “comi do ruim...Vê vancê que eu era guri e já corria mundo...” E finaliza: “o mundo de Blau Nunes, constiuído da memória e da crônica histórica, assim como o menino e o velho, se unifica a partir das contradições, na própria dialética existencial do drama humano.” 

Da esquerda para direita: Dr. Mazza Leite (presidente do IJSLN) e prof. F. L. Chaves
Fotógrafo: Luís Borges


[1] Professor de Filosofia e Literatura. Doutorando em História da Educação.
[2] O título não foi mencionado pelo palestrante, mas o prof. Guedes fez um aparte, em tom baixo, mas suficiente para ser ouvido, revelando ser a obra referida de Sthendal o romance “A cartuxa de Parma” (1839).
[3] Essa estrutura foi retirada do material que o prof. Flávio Loureiro Chaves distribuiu durante a palestra.
[4] Idem.
[5] Quando se oportunizou à plateia realizar manifestações ou perguntas o prof. João Ourique antecipou essa conclusão que, embora indicada pelo palestrante, não a havia explicitado. 

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